Este post foi escrito por Tatiana Mendonça
“A sombra é uma realidade diferente do corpo que a projeta, perdendo até a relação direta com ele.” Olga Gómez fez esta descoberta durante a Oficina Internacional de Teatro de Sombras, oferecida anualmente pelo Teatro Gioco Vita (TGV) em sua sede em Piacenza, na Itália. Durante três semanas, entre os dias 16 de maio e 4 de junho, Olga e Marcus Sampaio, diretores d’A RODA, acompanharam os ensinamentos do grupo, ao lado de outros sete participantes de vários países do mundo.
Este ano, o tema do laboratório foi o corpo no teatro de sombras e suas múltiplas possibilidades. A oficina foi ministrada por Fabrizio Montecchi, diretor artístico da companhia, e Nicoletta Garioni. “Essa convivência foi especial e aprendemos muito. O caminho d’A RODA sempre foi meio autodidata, o que é mais difícil. Conhecer procedimentos de construção de figuras de sombras e dispositivos projetivos testados e eficientes, nos abrem novas possibilidades de criação”, conta Marcus.
O primeiro contato do grupo A RODA com o Gioco Vita foi por meio de uma exposição e um catálogo da companhia italiana de 1997, que serviram de referência para o espetáculo “O Pássaro do Sol”, de 2010. Durante a oficina, Olga teve a oportunidade de acompanhar de perto o trabalho de construção de figuras de Nicoletta Garioni que assina mais de 20 montagens da companhia. “É a primeira construtora com que compartilho ideias e ela foi muito generosa ao apresentar suas soluções técnicas”, disse.
Pesquisa continuada
Acompanhar a rotina de funcionamento do Teatro Gioco Vita também ajudou a pensar os rumos d’A RODA. O grupo italiano é mantido pelos órgãos culturais locais, que custeiam despesas com salários, estrutura física, compra de materiais e apoio para pesquisa.
Para Marcus, essa estrutura demonstra a necessidade de apoio financeiro continuado para que as companhias consigam manter-se ao longo do tempo. “Poderíamos pensar que essa estabilidade financeira acarretaria numa acomodação criativa, mas muito pelo contrário. Eles estão em constante pesquisa e se autodenominam como ‘teatro estável de inovação’, com uma agenda cheia de novidades todos os anos”.
Ele ressalta que projetos de manutenção como o Madeira Viva 2, financiado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), “apontam nesta direção” e garantem a longevidade das pesquisas do grupo. “Essa experiência na Itália nos fez pensar na possibilidade de buscar apoio local mais duradouro com algum órgão que deseje investir na disseminação do teatro de formas animadas”.
Durante o curso, Olga também reafirmou sua convicção de que o mais importante para uma companhia são as pessoas com quem se trabalha. “Os profissionais envolvidos no grupo italiano são pessoas muito especiais, o que lhes permite fazer seu trabalho com uma simpatia, criatividade e profissionalismo enormes. E nós temos hoje no Madeira Viva 2 um grupo de trabalho com excelentes condições de continuar”.
Em agosto, será a vez de Salvador abrigar uma oficina de Fabrizio Montecchi, diretor do TGV. Na Itália, Marcus e Olga puderam detalhar com Fabrizio a programação do curso, que acontecerá no Teatro Sesc Pelourinho do dia 24 ao 29/8.
As inscrições serão abertas no próximo mês, no dia 1 de julho, e o investimento será de R$ 60. Em breve, divulgaremos por aqui o formulário de inscrição e as orientações do processo seletivo. Olga adianta que a disponibilidade será uma das principais exigências, já que a carga horária será intensa durante toda a semana. “Esperamos receber propostas interessantes e conseguir montar uma turma boa”.
Hurvínek e outros loutkářských
Após o fim da oficina na Itália, com a cabeça fervilhando de ideias e o espírito leve, eles seguiram para Praga, conhecida pela tradição em teatro de animação. “A cidade parece saída de um conto de fadas com suas pontes, igrejas, castelos e autênticos prédios art nouveau”, conta Marcus. Para Olga, que visitava a República Checa pela primeira vez, foi uma “viagem no tempo”.
Durante a estadia, eles puderam acompanhar as comemorações pelos 90 anos de Hurvínek, personagem criado por Josef Skupa que se tornou uma espécie de herói de madeira do país. “Em sua origem, ele foi um porta-voz da saga do povo tcheco. Foi aprisionado pelos nazistas num armário durante a guerra, jogado no lixo, mas foi recuperado por uma criança e virou um símbolo nacional. Continua se apresentando até hoje”, conta Olga.
Um dos pontos altos da viagem foi a visita ao Muzeum loutkářských kultur em Chrudim, mantido pelo Ministério de Cultura do país e sede de um impressionante acervo de bonecos. “Para chegar ao museu, que fica numa cidadezinha do interior, enfrentamos uma viagem de trem com as dificuldades de não conhecer a língua, mas valeu muito a pena”, diz Olga.
Eles foram recebidos pela curadora Kateřina Valíková e pelo assessor de imprensa do museu, Břetislav Oliva, que os guiaram pelas salas do belo prédio medieval. O lugar abriga coleções de bonecos tradicionais da história do país e muitas figuras de sombras asiáticas. “Essa visita foi um presente. Foi emocionante ver de perto alguns bonecos da minha coleção. Lá fiquei sabendo que três marionetes que tenho foram esculpidas por Jindřich Adámek e datam do fim do século XIX”, conta Marcus.
O único problema foi a duração curta dos dias. “O tempo passa muito depressa quando se está viajando!”, lamentou Olga. “Mas voltamos cheios de ideias e vontade de tocá-las”.